segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Quotas pagam salários aos Guardas-nocturnos



Arriscam a vida, todas as noites, para vigiar casas, lojas, pessoas e equipamentos, mas não têm ordenado fixo. São 400 no País, distribuídos por Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro e Leiria. O DN acompanhou um turno.


Em todo o País não serão mais de 400 os guardas-nocturnos existentes, concentrados sobretudo em Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro e Leiria. Sem auferirem qualquer salário fixo, as suas retribuições são conseguidas através da quotização de moradores e comerciantes das zonas que vigiam.

"Um guarda-nocturno não pode ser visto como um mero vigilante, pois as suas funções são bem mais abrangentes", esclarece o presidente do Sindicato Nacional dos Guarda-Nocturnos. Carlos Tendeira lembra que estes profissionais "não têm uma tabela de honorários. As suas gratificações são recebidas dos moradores e empresários das zonas que patrulham, habitualmente um ou dois bairros". E "ninguém é obrigado a pagar pelo serviço, mesmo que dele beneficie", conclui o dirigente.

É sexta-feira, mas o fim-de-semana só termina hoje e alguns dos universitários e trabalhadores que costumam povoar a noite de Aveiro foram a casa. Prevê-se uma noite calma. Do corpo de 13 guardas-nocturnos (GN) da região de Aveiro marcaram encontro seis, num posto de abastecimento de combustível: tomam café e preparam-se para uma noite de vigilância. Ao longe podem até ser confundidos com elementos das forças policiais: usam farda semelhante, algemas, apito, cassetete e, em alguns casos, arma (ver caixa).

À meia-noite cada um segue de carro (propriedade do próprio e manutenção e combustível também à sua conta) para a sua área, geralmente distribuída por freguesias. Quem ainda não picou o ponto, é altura de o fazer no posto da GNR ou da PSP. Podem vir a encontrar-se de madrugada se alguém precisar de pedir reforços ou simplesmente para um café, mas cada um faz a sua 'patrulha' sozinho. Sérgio Bento, 30 anos, estatura média, mas muito entroncado, segue, acompanhado pela equipa de reportagem do DN, para a sua área de vigilância que inclui a zona de diversão nocturna conhecida como Praça do Peixe.

Ao dirigir-se, de automóvel, para o centro nevrálgico da sua zona, viaja a velocidade muito reduzida, atento a qualquer movimento suspeito que possa pôr em causa lojas,casas, viaturas e equipamentos. O "ganha-pão" de cada GN resulta das contribuições voluntárias de empresas ou particulares na sua área de intervenção, que procuram neles um serviço de segurança e vigilância nocturna.

"Mesmo que o local não pertença a alguém que pague, intervimos", esclarece Sérgio Bento, em funções ali desde 2005, após seis anos como guarda-nocturno em Inglaterra. Os GN actuam em coordenação com as autoridades, pois quando são chamados, alertam de imediato as forças policiais.

Cerca da 01.00, Sérgio Bento estaciona na Praça do Peixe. Segue-se uma caminhada por vielas e ruelas onde a confusão é muita. Ouve-se um estilhaçar. Sérgio aproxima-se de um dos seus 'contribuintes' ,que o alerta para um grupo que terá partido um vidro.

O guarda aborda o grupo. "Chefe, está tudo bem. Pode ir embora", diz um dos jovens. Sérgio Bento não se intimida. "Portem-se bem", aconselha. O grupo dispersa. "Esta é uma zona que está abandonada pelas autoridades. Aderi ao serviço dos GN para que esta área seja mais transitável, o que se resolve com a simples presença de pessoas fardadas", justifica.

Passada uma hora a circular na zona, segue-se novo patrulhamento de carro. Já afastado da Praça do Peixe, Sérgio Bento recebe um telefonema: "Há stress!". O guarda liga de imediato à PSP e dirige-se ao Café da Praça. Em dois minutos, está à porta do estabelecimento, mas os ânimos já se acalmaram. "Falso alarme", esclarece. E liga às autoridades e cancelar o pedido.

O patrulhamento continua. Sérgio Bento faz uma breve paragem no hospital, dos poucos sítios onde às 04.00 pode recorrer a um café para se manter 'alerta'. A vida dos guardas-nocturnos é solitária: trabalham essencialmente sozinhos, à noite e folgam um dia ao fim de cinco de trabalho. Sérgio revela que evita folgar ao fim-de-semana porque esses são os dias mais problemáticos na sua área. "Resta pouco tempo para a vida pessoal. Temos que gostar de correr riscos porque evitando um assalto ou uma rixa, fazemos a diferença na vida de muitas pessoas", diz. Às 06.00 é altura de voltar a picar o ponto e regressar a casa. Sérgio Bento vai restabelecer forças até às 15.00. E à meia-noite retomará a actividade.

Guardas colaboram com PSP e GNR

Fazem parte das funções dos guardas-nocturnos auxiliarem e colaborarem com a acção da PSP ou GNR, entre as 00.00 e as 06.00, tendo em vista uma maior vigilância nocturna. É também a PSP que dá a formação aos homens que pretendem ingressar na profissão. O serviço está dependente da Câmara Municipal de Aveiro, mas é unicamente sustentado pelos contribuintes que querem ver aumentada a segurança dos seus estabelecimentos ou residências. Compete ao guarda-nocturno preservar a via pública, comunicando qualquer distúrbio às autoridades competentes, salvaguardar as viaturas dos seus 'contribuintes', estar atento às lojas e montras, estabelecer contacto em caso de qualquer anomalia, fazer vigilância de residências e até o levantamento de receituário médico. Com uma tradição que remonta a meados do século XX o grande incremento desta actividade dá-se em 1976 quando a profissão foi reconhecida pelo então Ministério do Interior e passaram a andar armados e fardados.

Com armas, mas desarmados


O Estado não reconhece a actividade como profissão de risco, mas são inúmeros os episódios relatados pelos guardas-nocturnos (GN) com facas, navalhas e armas de fogo. Os GN de Aveiro nunca receberam armas da PSP ou GNR e só estão dotados de pistolas aqueles que têm licença de uso e porte de arma. Uma grande parte está a aguardar que a licença seja emitida, queixando-se de uma prolongada espera. Em Lisboa e noutras cidades, as forças policiais distribuíam armas pelos vigilantes, o que deixou de acontecer recentemente. Mas uma portaria publicada pelo governo no mês passado prevê o uso da arma, de carácter permanente, a fornecer pelas forças de segurança. As armas que acompanham agora os GN só podem ser usadas em defesa pessoal. Daí, estes profissionais alegarem que a sua missão de defender terceiros fica comprometida. Com armas no coldre sentem-se desarmados.

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